15 de agosto de 2022
Artigo: Governança Corporativa em empresas familiares

Ao contrário de países que têm o mercado de capitais mais desenvolvido e uma cultura de investimento em participações societárias, as empresas brasileiras, em sua maioria, têm um controle concentrado e familiar. Mas o que faz uma empresa familiar se diferenciar de uma empresa que não detém o controle por um grupo familiar?

Embora a resposta possa parecer óbvia, que é a presença da família como sócia da empresa, outro aspecto se mostra relevante quando — e isso ocorre na maioria das empresas familiares — há a presença de membros da família em cargos de gestão importantes como diretoria e conselho de administração. Sobre o envolvimento dos membros da família nas empresas familiares, Tobias Coutinho Parente, em seu artigo publicado na revista do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa Análise & Tendências1, afirma que o comportamento de uma empresa familiar é fruto, em grande medida, dessa interação. A depender da maneira como a família se envolve com o negócio, ela desenvolve uma identidade que molda os objetivos que serão perseguidos pela empresa e pela própria família.

A grande complicação vem do fato de as fronteiras entre os sistemas da família e da empresa nem sempre estarem bem definidas, faltando um limite claro entre as questões afetivas inerentes à família e os objetivos da empresa. Uma das ferramentas para fortalecer o limite entre essas questões e aquelas exclusivamente corporativas é a utilização das boas práticas de governança corporativa na estrutura da empresa e ainda a criação de órgãos que permitam que a gestão da sociedade seja mais profissional. A Governança Corporativa hoje tem como princípio norteador a transparência, a equidade, a responsabilidade corporativa e a prestação de contas, mas tendo como definição original o fato de:

o sistema que assegura aos sócios-proprietários o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva. A relação entre propriedade e gestão ocorre por meio do conselho de administração, a auditoria independente e o conselho fiscal, instrumentos fundamentais para o exercício do controle. A boa Governança Corporativa garante equidade aos sócios, e transparência e responsabilidade pelos resultados2.

O conselho de administração que é um órgão colegiado, previsto na Lei das
Sociedades por Ações, em seus artigos 138 e 140, e tem como objetivo compor a administração das Sociedades Anônimas, juntamente com a diretoria e o Conselho Fiscal (se houver), voltado para a tomada de decisões de maior alçada, além daquelas previstas em lei (como eleição de diretores) e mais estratégicas, ou seja, menos táticas. A presença de membros da
família nos Conselhos de Administração é muito comum, mas, para que as decisões estejam mais voltadas para o interesse exclusivo da empresa, sugere-se que tais conselhos tenham a presença de um conselheiro independente3 ou externo4.

Sob esse aspecto, nota-se que diversas empresas familiares, decidem criar
um conselho de administração por causa do crescimento da empresa, de um processo de sucessão ou da entrada de sócios não familiares. Esse passo é, muitas vezes, difícil pelo fato dos membros da família não terem conhecimento do funcionamento desse órgão e nem tampouco das boas práticas de governança.

Por conta disso, a figura do conselheiro independente, pelo papel de mediação, pode ser fundamental para equilibrar os interesses divergentes. Para tanto, é salutar que ele desenvolva uma relação de confiança e respeito com os sócios5.

Por fim, é importante lembrar que a administração das sociedades também
deve ser composta por uma diretoria, e no caso das empresas familiares, ainda que tenha membros da família ocupando cargos executivos, recomenda-se que o Conselho de Administração e a diretoria sejam órgãos independentes.

Outros dois aspectos que podem interferir na sustentabilidade das empresas familiares é o potencial conflito entre os familiares afetarem as decisões do negócio, bem como a falta de planejamento sucessório na gestão da empresa. A criação de uma estrutura de governança
com a criação de um conselho familiar, um conselho de administração e a definição de diretorias que atuem de maneira independente, como definição clara das competências e alçadas, atuando com responsabilidade, poderá ser um mitigador do risco dos problemas que afetam a sustentabilidade da empresa.

O conselho de família tem como propósito criar um fórum de debate e acesso a informações de interesse da família, criando a possibilidade de que sejam enfrentados os desafios dos negócios pela família, especialmente: (I) a figura do controlador e a maneira de lidar com esse direito de forma a permitir o crescimento da empresa e dos herdeiros e outros membros da família na tomada de decisões; (II) conflitos decisórios da condição de sócios e/ ou administradores; nesse cenário, o conselho ajuda a família a lidar com esses possíveis conflitos; (III) comunicação entre os familiares, afinal, quando somente um membro da família concentra a comunicação, isso pode gerar falta de transparência e instabilidade nas relações familiares; (iv) mitigação de conflitos, por ser um ambiente aberto para discussões; e (v) capacitação das novas gerações.

Para conferir o PDF da Revista, clique aqui.

Autoria: Grazziella Mosareli Kayo, Sócia e Responsável pela Área Societária do DBA.

1 Revista nº 5 /2018, página 13.
2 LODI, João Bosco. Governança Corporativa: o governo da empresa e o conselho de administração. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.40.
3 São pessoas sem qualquer vínculo com a empresa atual ou no passado, portanto são pessoas que: não são sócios, funcionários, administradores, consultores ou prestadores de serviços, não ser parente até segundo grau
dos sócios da empresa ou de suas coligadas, não ter sido empregado ou colaborador nos últimos três anos, não estar fornecendo produtos ou serviços para a empresa de escala relevante, não participar de entidade que
receba patrocínio da empresa, se manter independente em relação ao CEO, não depender financeiramente da remuneração da Sociedade.
4 Conselheiros que não têm vínculo direto ou trabalhista atual com a organização, mas não são independentes. Por exemplo: ex-diretores e ex-funcionários, advogados e consultores que prestam serviços à empresa, sócios ou
funcionários do grupo controlador e seus parentes próximos, etc.
5 PARENTE, Tobias Coutinho, Revista do IBGC, Análise e Tendências, Revista nº 5 /2018, página 14.