26 de janeiro de 2023
Aproveitamento inteligente do instituto do usufruto enquanto instrumento de planejamento sucessório

Por Renato Valbert de Castro Filho (OAB/SP 323.873)

O status socii, consiste na perspectiva sistemática de direitos, poderes, deveres e ônus que decorrem da posição jurídica de sócio. Em síntese, a qualidade de ser sócio gravita no exercício do direito ao voto, ao lucro e à fiscalização.

Tais direitos, no entanto, não são estáticos, estando sujeitos a alterações. À medida que a aquisição do status socii advém da subscrição e integralização de quotas na constituição de uma sociedade empresária e a perda do status se dá na extinção de uma sociedade, certos eventos jurídicos o modificam, estabelecendo uma nova condição, destinta da originária, como é o caso da instituição do usufruto sobre as participações societárias.

A repercussão jurídica da instituição do usufruto é melhor entendida a partir da análise de que o direito de propriedade incorpora uma série de faculdades e atribui ao seu titular o poder de agir em relação à coisa, usando, fruindo ou dela dispondo. Tais atributos podem concentrar-se num só indivíduo, caso em que a propriedade é considerada plena ou alocar-se em indivíduos distintos do proprietário, a exemplo da constituição de direitos reais de uso e gozo, quando o proprietário deixa de ter o domínio sobre a coisa com a transferência de sua utilização e fruição à esfera patrimonial de um terceiro, justamente como ocorre na instituição do usufruto.

A atribuição de alguns destes poderes a pessoas diversas do proprietário, mediante a outorga a terceiro de um direito real sobre a coisa alheia, acarreta no direito de propriedade uma restrição temporária. Sob o conceito técnico-jurídico, o usufruto se classifica como um direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, sem alterar-lhe a substância, enquanto temporariamente “destacado” da propriedade.

Com efeito, a constituição do usufruto não implica qualquer amputação no direito do proprietário, pois as faculdades dominiais estão sempre presentes e sujeitas à consolidação para regressar ao estado de sua plenitude.

Em se tratando de títulos societários, o usufruto recai sobre quotas ou ações de pessoas jurídicas, compreendendo sua universalidade, portanto, inclui o patrimônio (bem imóveis ou móveis), direitos e obrigações, bens corpóreos e incorpóreos, de modo que cabe ao usufrutuário usar e fruir da pessoa jurídica, recebendo os proventos, frutos, como se dono fosse. É o que se depreende da interpretação sistemática dos artigos 1.390[1], 1.392 [2]e 1.394[3], do Código Civil (CC).

Como efeito prático, no usufruto opera-se um desmembramento da propriedade da participação societária, na qual, a propriedade propriamente dita permanece do nu-proprietário, enquanto o gozo dos seus frutos, é atribuído usufrutuário.

Isto significa que no usufruto os titulares (nu-proprietário e usufrutuário) exercem simultaneamente os seus direitos sobre as diferentes parcelas desmembradas do domínio.

Propósito da instituição do usufruto como instrumento de planejamento sucessório

Não por menos, o usufruto se mostra um instrumento bastante útil para planejamentos sucessórios. Isto porque propicia uma situação jurídica na qual a transferência da nua propriedade das quotas não retira do “proprietário original” o controle e a percepção de rendimentos, uma vez que ele tem garantido para si o direito real de usar e fruir das quotas, salvaguardando, em vida, seus poderes político e econômico na sociedade, se assim for seu desejo, os quais se cessarão automaticamente quando do seu falecimento, já que com a morte se extingue o usufruto, fazendo com que os nus proprietários passem a ter a propriedade plena das participações, assumindo então direito a voto e a percepção dos frutos e rendimentos oriundos dos bens.

É justamente o fato de recair usufruto sobre as participações societárias que permite ao usufrutuário o exercício do direito à posse, ao uso, à administração e à percepção de seus frutos, concomitantemente, à conservação da nua propriedade do bem pelo proprietário (nu-proprietário).

No âmbito do direito societário, o usufruto é um direito amplo, cuja natureza jurídica permite larga customização na sua instituição. É possível que abranja a totalidade das participações societárias ou apenas parte delas, bem como, permite dosar o percentual dos frutos atingidos, de forma que usufrutuário e nu-proprietário possam dividir os lucros da sociedade, além de carregar a faculdade de incluir ou não direitos de natureza política no seu escopo. Tal assertiva coaduna com o que leciona Washington de Barros[4]:

“os direitos do usufrutuário são especializados no ato constitutivo do usufruto, que lhes delimita a extensão, ampliando-os ou restringindo-os. Na falta de convenção, prevalecem as normas legais consubstanciadas nos arts. 1.394 e seguintes […].Tais normas meramente supletórias, só se aplicam se omisso o ato que deu vida ao direito real.”

A despeito de admitir ponderação sobre a dosagem, é certo que caberá ao usufrutuário a percepção dos lucros, independentemente de eventual regulação no ato institutivo do usufruto, conforme se verificou nos artigos 1.390 e 1.394, ambos do Código Civil.

Já sobre o direto ao voto, o artigo 114[5] da Lei das Sociedade por Ações (LSA), estabelece que na ausência de acordo entre as partes, o exercício do direito de voto só será possível mediante acordo prévio entre nu-proprietário e usufrutuário, sob pena tolher o exercício do direito de voto.

No que diz respeito ao direito de fiscalização da gestão social, o Enunciado n. 63, da II Jornada de Direito Comercial, do Conselho da Justiça Federal (CNJ), determina que na hipótese de omissão do ato institutivo, o nu-proprietário pode exercer o direito de fiscalização:

Diante disto, verifica-se que se utilizado com inteligência e em harmonia com suas limitações e excepcionalidades, o usufruto pode ser uma interessante ferramenta para controlar o modo de exercício tanto do direito de voto, quanto do direito à fiscalização, bem como, a amplitude e forma referente ao direito de percepção dos lucros. Caso contrário, poderá vir a ser uma ingrata surpresa àqueles que doaram suas quotas aos herdeiros com a instituição do gravame, sem convencionar, principalmente sobre os direitos de voto e à fiscalização, pensando que teriam total controle sobre as participações societárias, enquanto estivessem vivos.


[1]Art. 1.390 CC. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.”

[2]Art. 1.392 CC. Salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos.”

[3]Art. 1.394 CC. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.”

[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas, 39ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. página 349.

[5] “Art. 114 LSA. O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.”