8 de abril de 2025
IPTU em imóveis financiados: o STJ firma posição definitiva sobre a responsabilidade do credor fiduciário

Por Izabella Carvalho

A relação entre o financiamento imobiliário e o pagamento do IPTU sempre gerou insegurança, especialmente quando o imóvel está alienado fiduciariamente. Em uma decisão paradigmática, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pôs fim a essa controvérsia ao julgar o Recurso Especial nº 1.949.182/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.158), estabelecendo um importante precedente de observância obrigatória por todos os tribunais do país.

O ponto central da controvérsia era a seguinte pergunta: o credor fiduciário pode ser considerado sujeito passivo do IPTU enquanto não tiver a posse do imóvel?

Para o Município de São Paulo, sim. A municipalidade defendeu que a propriedade formal atribuída ao banco credor no contrato de alienação fiduciária o colocaria automaticamente na posição de contribuinte do imposto. No entanto, o STJ adotou uma leitura técnica, sistemática e alinhada aos princípios do direito tributário e civil: a propriedade fiduciária não se confunde com a propriedade plena — e, por consequência, não gera obrigação tributária sobre o imóvel.

A Corte Superior reafirmou que o artigo 34 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece três figuras como possíveis sujeitos passivos do IPTU: o proprietário, o titular do domínio útil e o possuidor a qualquer título. No entanto, ao interpretar a expressão “possuidor a qualquer título”, a jurisprudência já havia consolidado que a posse hábil para gerar a obrigação tributária é aquela qualificada pelo animus domini — ou seja, a posse exercida com intenção de dono, que permita o uso, gozo e fruição do bem.

Nesse contexto, o credor fiduciário, embora seja formalmente titular da propriedade resolúvel do bem (conforme art. 22 da Lei 9.514/97), não exerce a posse direta nem tem a intenção de utilizar ou dispor do imóvel. Trata-se de uma titularidade instrumental, voltada exclusivamente à garantia do crédito concedido ao comprador.

Outro ponto relevante considerado pelo STJ foi o art. 27, § 8º, da Lei 9.514/97, que expressamente atribui ao devedor fiduciante a responsabilidade pelo pagamento de tributos incidentes sobre o imóvel, até a data da imissão na posse pelo credor fiduciário. Essa norma foi reforçada recentemente com a inclusão do §2º no art. 23 da mesma lei, pela Lei 14.620/2023, confirmando que caberá ao fiduciante arcar com os custos do IPTU e das taxas condominiais enquanto mantiver a posse do bem.

Ao firmar a tese repetitiva, o STJ adotou a seguinte redação:

“O credor fiduciário, antes da consolidação da propriedade e da imissão na posse no imóvel objeto da alienação fiduciária, não pode ser considerado sujeito passivo do IPTU, uma vez que não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 34 do CTN.”

Essa formulação não deixa margem para interpretações divergentes e vincula todos os tribunais e juízos do país, nos termos dos artigos 927, III, do CPC e 1.036 e seguintes do mesmo diploma.

A tese firmada garante segurança jurídica ao mercado imobiliário e financeiro, pois impede que instituições financeiras sejam responsabilizadas por tributos relativos a imóveis que ainda não integram seu patrimônio de forma plena. Isso preserva a lógica contratual da alienação fiduciária e reforça o papel do banco como garantidor do crédito, e não como usuário ou beneficiário direto do bem.

Para o comprador, a decisão reforça a noção de que adquirir um imóvel financiado implica responsabilidade tributária desde o primeiro momento, mesmo que a propriedade formal ainda esteja registrada em nome do banco.

Além disso, a definição evita que os municípios adotem interpretações mais amplas e criativas da legislação tributária, utilizando a matrícula imobiliária para cobrar impostos de quem, na prática, não possui relação direta com o uso do bem.

A decisão do STJ vai além da discussão entre credor e devedor. Ela revela como o Judiciário pode e deve atuar para harmonizar o direito privado com a lógica tributária, respeitando a função econômica dos contratos e a distribuição justa de responsabilidades.

Em um cenário onde o acesso ao crédito imobiliário é cada vez mais importante, garantir a coerência jurídica dessas relações é fundamental. Ao reconhecer que o IPTU deve ser pago por quem exerce de fato o domínio e a posse do bem, o STJ reafirma um princípio essencial: a tributação deve refletir a realidade econômica, e não apenas a aparência registral.