Por Ana Paula Nunes
Conforme o ordenamento jurídico em vigor, ao se casar e optar pelo regime da separação de bens (convencional) o cônjuge é considerado herdeiro em caso de falecimento. Ocorre que há muito a doutrina critica essa norma, por muitas vezes não se enquadrar ao desejo genuíno do casal.
Partindo das severas críticas expostas por doutrinadores de renome e operadores do direito, a comissão de juristas que vem trabalhando na reforma do Código Civil já pontuou que está em pauta a alteração na ordem da vocação hereditária, excluindo o cônjuge em caso da opção pelo regime da separação de bens.
Ocorre que, ainda, não há definições e estipulação de prazos de quando essa atualização entrará em vigor. Enquanto isso, os casais que desejam dispor dos seus bens particulares de forma diversa ao disposto em lei, permanecem na incerteza e encontram barreiras ao tentarem estipular disposições diferentes.
Nessa toada, é conveniente destacarmos um julgamento que autorizou o registro de um pacto antenupcial que continha cláusula de renúncia ao direito sucessório dos cônjuges. Referido julgamento se deu em sede de Apelação Cível (sob nº 1000348-35.2024.8.26.0236) do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a relatoria do Corregedor Geral de Justiça Francisco Loureiro.
A mencionada decisão merece destaque por sua valiosa contribuição à causa, que há muito vem sendo exposta e recusada pelos tribunais. No caso específico, o intuito do casal era simplesmente manifestar o desejo de que, se no momento do falecimento de qualquer cônjuge o ordenamento jurídico permitir, eles optam por não participarem da futura sucessão um do outro, em concorrência com descendentes ou ascendentes.
No entanto, a simples disposição de vontade do casal foi negada, pelo cartório e em procedimento de suscitação de dúvida, sob o argumento de ser contraditória a legislação atualmente em vigor, motivo pelo qual houve o ingresso com a Apelação Cível. É válido ressaltar que a cláusula que continha tal disposição no pacto foi feita de forma genérica e que ficou explicitado que as partes estavam cientes das divergências frente a legislação atual e de uma provável inaplicabilidade da cláusula no futuro, dada a incerteza da legislação que estará em vigor.
Isto posto, ao dar provimento à apelação e determinar o registro do pacto antenupcial, o relator expôs diversos motivos razoáveis para fundamentar sua decisão, assim como a ratificação por parte da doutrina, a iminente atualização do Código Civil, a atual possibilidade de partilha em vida e planejamentos sucessórios (permitidos pela lei), bem como legislações estrangeiras, que permitem o requerido, fundamentando que o cenário atual, no tocante a este tema, caminha para mudanças, motivo, pelo qual, é cabível o cumprimento do solicitado pelas partes.
Posto isso, não podemos deixar de notar a relevância deste julgamento que, embora seja admitido que é apenas a intenção das partes, cabendo ao juízo do inventário, no momento do fato, decidir se julgará esta cláusula nula ou não, é um primeiro passo no caminho da mudança.
Por fim, resta-nos acompanhar o projeto de reforma do Código Civil, bem como novos julgamentos sobre o tema, que podem ir modificando o cenário da jurisprudência atual e ir consolidando os pilares que autorizem esse tipo de disposição em pactos e acordos entre os cônjuges, tendo certo que a doutrina é, em sua maioria, favorável às alterações em comento e que a probabilidade de reforma no modo de sucessão de cônjuges casados sob o regime da separação de bens é válida e aguardada por muitos.