22 de fevereiro de 2023
NOTA TÉCNICA SOBRE PROIBIÇÃO DE DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA

ASSUNTO: ESTUDO SOBRE O JULGAMENTO EM CONJUNTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA ADC 39 E ADI 1625 – QUE VERSAM SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 2.100/1996, O QUAL DISPÕE SOBRE A IMPOSSIBILIDADE DE AS EMPRESAS DESLIGAREM OS EMPREGADOS SEM JUSTO MOTIVO. REFERIDO DECRETO FOI SANCIONADO PELO EX-PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL DO TRABALHO. DIREITO CONSTITUCIONAL.  ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). RELAÇÃO DE EMPREGO. DISPENSA SEM JUSTO MOTIVO. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR.

  1. APRESENTAÇÃO

Existe a possibilidade de ainda no primeiro semestre de 2023, o Supremo Tribunal Federal finalizar o julgamento em conjunto da Ação Direta de Constitucionalidade[1] 39 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade[2] 1625, que discutem a revogação[3] de um decreto do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, que prevê a impossibilidade de o empregador dispensar o empregado sem justa causa – retirando o Brasil da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho.

A ADI 1625 foi ajuizada pela CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) em 19/06/1997. Já a ADC 39, foi distribuída por prevenção à ADI 1625, pela CNC (Confederação Nacional de Comércio de Bens e Serviços e Turismo e pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), em 10/11/2015.

Após diversos debates sobre o tema, em 03/11/2022, as ações voltaram à pauta de julgamento do STF, tendo o Ministro Gilmar Mendes pedido vistas dos autos, ou seja, mais tempo para análise por período indeterminado.

Contudo, no início de dezembro de 2022, o STF aprovou mudanças em seu Regimento Interno, estabelecendo prazo de 90 dias para a reinclusão na pauta de todos os processos em que houve pedido de vistas.

O prazo de 90 dias será contado a partir da data da publicação da Emenda Regimental (58/2022), que deverá ser publicado no início de janeiro de 2023, considerando o retorno do expediente forense no dia 06/01.

Assim, considerando o prazo de 90 dias, há chances de ocorrer um novo julgamento sobre a temática ainda no primeiro semestre de 2023.

  1. DO OBJETO DA NOTA TÉCNICA

A presente Nota Técnica, tem como principal objetivo analisar todas as questões do tema abordado, apontando fatores históricos, fundamentos legais e parecer técnico.

Busca-se, de forma colaborativa, com a participação de profissionais especializados na área e no assunto, propiciar maior entendimento sobre o tema.

  1. DA ANÁLISE JURÍDICA DA QUESTÃO
  1. INTRODUÇÃO

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), fundada em 1919, é uma agência vinculada às Nações Unidas, que foi criada com o intuito de promover a justiça social e assegurar à sociedade o acesso a um ambiente de trabalho seguro e digno.

A OIT possuí representação no Brasil desde 1950, e é responsável pela elaboração e aplicação de normas internacionais de trabalho, através de convenções, protocolos, recomendações, resoluções e declarações. Segundo o site oficial, desde a sua criação, os membros tripartites[4] da OIT já adotaram 189 Convenções Internacionais de Trabalho e 205 Recomendações sobre diversos temas.

Dentre as mais diversas normas internacionais criadas, a mais comentada e que ganhou grande repercussão nos últimos dias, é a Convenção 158, que discute sobre o “Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador”.

Isto porque, o artigo 4º da referida Convenção, prevê a impossibilidade do término da relação de trabalho, a menos que exista causa justificada para tanto, vejamos:

Art. 4 — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.

A Convenção 158 da OIT, foi aprovada na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, em 1982 e entrou em vigor no Brasil em 23 de novembro de 1985, se tornando Lei Ordinária.[5]

Entretanto, a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garante ao empregador o direito de dispensar o empregado sem justo motivo, desde que garanta o pagamento de seus direitos.

Assim, dada a problemática criada entre as normas e a repercussão negativa da Convenção, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso promulgou o Decreto 2.100/1996 para revogar a aplicação da Convenção no Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997.

Diversos juristas repreenderam o ato do ex-Presidente, sob a narrativa de que para que uma lei ordinária seja revogada, é necessário submete-la ao Congresso Nacional.

Assim, para se discutir a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do Decreto 2.100/1996, promulgado pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, foram propostas as ADI 1625 e a ADC 39.

  • DA DISPENSA JUSTIFICADA

Apesar de a Convenção 158 da OIT usar a expressão “justificar”, não podemos confundir com a “demissão por justo motivo”, explica-se:

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 482, prevê algumas possibilidades da rescisão contratual por justa causa, são elas:

Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.

Contudo, apesar de a norma internacional prever uma justificativa para as demissões, ainda é bastante genérica.

Isto porque, diferentemente da CLT, a Convenção 158 da OIT, não abrange de maneira cirúrgica como deverá ser feita essa justificativa nas demissões. As lacunas[6] no dispositivo, causaram insegurança tanto no mundo jurídico, quanto aos empregados e empregadores, gerando ainda, diversas controvérsias sobre o assunto. Explica-se:

Como serão realizadas essas demissões? O que será considerado como justificativa plausível? A demissão será equivalente à demissão por justo motivo? Como ficará o poder diretivo do empregador? Será benéfico para o trabalhador? Será benefício para as empresas?

Como se observa, existem diversos questionamentos sem respostas.

  • DA IMPORTÂNCIA DA DISPENSA INJUSTIFICADA E SEUS IMPACTOS

Como se sabe, a CLT garante ao empregador o direito diretivo. De acordo com Amauri Mascaro Nascimento: “o poder diretivo do empregador consiste na faculdade atribuída ao empregador de dirigir o modo como a atividade do empregado é exercida em decorrência do contrato de trabalho no âmbito da atividade empresarial”.

O poder diretivo do empregador é divido em três prerrogativas:

          Poder de Organização               Poder de Controle                       Poder Disciplinar

  • Poder de Organização: é a prerrogativa do empregador de dirigir a atividade empresarial de acordo com a melhor organização;
  • Poder de Controle: é a prerrogativa do empregador de fiscalizar a atividade empresarial e;
  • Poder Disciplinar: é a prerrogativa do empregador de autoridade sobre o trabalho realizado pelo empregado, atribuindo-lhe a imposição de sanções disciplinares.

Levando em consideração os três princípios basilares do poder diretivo, temos que o empregador é responsável por garantir uma perfeita engrenagem no ambiente de trabalho. E, para que isso aconteça, é importante ter autonomia em suas escolhas.

Ora, a partir do momento em que uma norma obriga o empregador a justificar um ato, o poder diretivo se torna nulo.

Além do mais, devemos refletir até que ponto será benéfico ao trabalhador ter essas “justificativas” em sua carteira e demais documentos do trabalho. Sabe-se que as demissões ocorrem por diversas formas: cortes de gastos, empregado que não se adaptou à empresa ou às atividades desempenhadas, etc.

Sendo essas justificativas públicas, como o empregado que foi dispensado por improdutividade – seja ela porquê a pessoa não se adaptou ao trabalho, ou simplesmente estava passando por um momento difícil da vida – vai conseguir ser realocado no mercado de trabalho?

As justificativas serão propensas a resguardar somente o empregado?

Ademais, caso o Decreto 2.100/1996 seja considerando inconstitucional, como considerar que uma norma internacional, genérica, propensa a diversos entendimentos e brechas em seu dispositivo, prevaleça ao disposto na CLT?

Insta consignar que, a Consolidação das Leis do Trabalho foi criada justamente para proteger as partes envolvidas, ou seja, o empregado e o empregador, buscando um equilíbrio entre elas.

Ademais, seria pertinente descartar uma norma que está em perfeita sintonia com o nosso ordenamento jurídico, fazendo valer e prevalecer uma norma ultrapassada que destoa com as relações atuais?

  • CONCLUSÃO

O que podemos concluir é que caso o Decreto 2.100/1996 seja considerando inconstitucional, se iniciará um período de grande insegurança jurídica.

Com espeque nas considerações vertidas em linhas anteriores, tem-se por juridicamente inviável a inclusão de justificativas nas demissões quando a questão envolve a mera liberalidade de o empregador escolher quem demitir.

Entendimento diverso acarretará violação do disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, além de prejudicar severamente as partes envolvidas na relação de trabalho. Além disso, a falta de informações na Convenção 158 da OIT, dará abertura para diversos entendimentos e brechas na lei.

Dessa forma, conclui-se que: o disposto na Convenção 158 da OIT é prejudicial aos empregados e empregadores, posto que este critério é desatualizado e incabível nos dias atuais.


[1] Ação Direta de Constitucionalidade é uma ação utilizada para solicitar ao STF que se pronuncie quando há uma controvérsia judicial que traz insegurança e incerteza jurídica, em determinado ato normativo federal, ou parte dele, para que seja declaro constitucional

[2] Ação Direta de Inconstitucionalidade é uma ação utilizada para solicitar ao STF que se pronuncie quando há uma controvérsia judicial que traz insegurança e incerteza jurídica, em determinado ato normativa estadual e federal, ou parte dele para que seja declarado inconstitucional, ou seja, contrário à constituição federal.

[3] Revogar é o ato que faz uma lei perder a sua vigência, seja porque foi substituída por outra lei ou simplesmente porque perdeu sua validade.

[4] A OIT possuí estrutura tripartite, na qual representante de governos, de organizações de empregadores e de trabalhadores de 187 estados-membros participam em situação de igualdade das diversas instâncias da organização;

[5] A Lei Ordinária é uma norma jurídica que trata de qualquer matéria pertinente (cível, trabalhista, criminal etc.) à competência do ente federativo que a edita, desde que não haja outra norma, desde que não reservada a outra espécie.

[6] As lacunas do direito são deficiências em uma regulamentação jurídica.