26 de abril de 2021
Efeitos Territoriais do Processo Coletivo

A visão tradicional do processo (leia-se: individual) estabelecia o conflito de interesses entre o ‘autor’ e o ‘réu’ – pessoas físicas ou jurídicas – a respeito do chamado ‘bem da vida’ (objeto jurídico da relação travada entre as partes).

Contudo, essa clássica divisão não atende aos chamados ‘direitos difusos’, em que o interesse buscado na via processual ultrapassa a esfera de interesses das partes (autor e réu), como no caso de ações sobre expurgos inflacionários dos planos econômicos da década de 1990, regulamentos da ANATEL do serviço de telefonia móvel e questões ambientais de diversas naturezas (exigência de licença operacional para determinado empreendimento e até mesmo a condenação do poluidor por atos danosos a qualidade ambiental).

Assim, passou-se a denominar de ‘processo coletivo’ o conjunto de leis que tratam de ações que tutelam tais ‘direitos difusos’, como as Leis Federais nº 4717/65 (“ação popular”), 7347/85 (“ação civil pública”) & a 8078/90 (“código de defesa do consumidor”).

Dentro deste, então, ‘processo coletivo’, há diversos pontos específicos, como os efeitos imediatos da sentença (pois o recurso de apelação não carrega efeito suspensivo), a legitimidade a diversos atores (ministério público, defensoria, associações, sindicatos e entidades públicas, como o IBAMA) e a medida cautelar (que dispensa as formalidades da tutela provisória do Código de Processo Civil, como a caução).

Alvo de grande polêmica é o tema da territorialidade dos efeitos da decisão em um processo coletivo. Como narrado, os ‘direitos difusos’ não conhecem as fronteiras físicas-geográficas dos Municípios (p. exemplo, a infringência por determinada concessionária de telefonia móvel acarreta danos a milhares de consumidores em todo o território nacional).

Infelizmente, durante quadras de nossa história, o comando do art. 16 da “ação civil pública” serviu como fator de grande insegurança jurídica, quando dispõe que “a sentença civil fará coisa julgada (…) nos limites da competência territorial do órgão prolator”.

A partir do dispositivo legal, criou-se certo paradoxo: como os “direitos difusos” podem limitar-se ao órgão julgador (p. exemplo, juízo de São Paulo/SP ou Manaus/AM) quando o tema ultrapassa por completo os respectivos municípios?

Diante disso, a Suprema Corte houve por bem reconhecer a inconstitucionalidade do mencionado artigo legal, dispondo o Ministro-Relator que “este fracionamento meramente territorial parece ignorar o longo processo jurídico/político de amadurecimento do sistema protetivo dos interesses difusos e coletivos e contraria, frontalmente, o comando constitucional de imprimir maior efetividade à sua real efetivação.”[1]

Entendemos acertada a decisão do STF em que prestigia, assim, o ‘processo coletivo’ com a finalidade de evitar múltiplas ações judiciais que discutem a mesma temática, tornando lenta a prestação jurisdicional na contramão da defesa que os ‘direitos difusos’ reclamam.


[1] STF, RE nº 1101937, tribunal pleno, relator Ministro ALEXANRE DE MORAES, j. em 08.04.2021.