Ao contrário de países que tem o mercado de capitais mais desenvolvido e uma cultura de investimento em participações societárias, as empresas brasileiras, em sua maioria, tem um controle concentrado e familiar. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 90% das empresas no Brasil seguem o modelo familiar. São elas as responsáveis pela produção de 65% do Produto Interno Bruto (PIB) e dispõem de cerca de 75% da força de trabalho do País[1]. Por outro lado, desses 90% (noventa por cento) dos negócios que se encontram sob controle familiar, apenas uma parcela de 3% a 4% sobrevive à terceira geração.[2]
Mas o que faz uma empresa familiar se diferenciar de uma empresa que não detém o controle por um grupo familiar? Embora a resposta possa parecer óbvia que é a presença da família como sócios da empresa, outro aspecto se mostra relevante quando, e isso ocorre na maioria das empresas familiares, há a presença de membros da família em cargos de gestão relevantes, como diretoria e conselho de administração.
Sobre o envolvimento dos membros da família nas empresas familiares, Tobias Coutinho Parente, em seu artigo publicado na revista do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) Análise & Tendências[3], afirmar que o comportamento de uma empresa familiar é fruto, em grande medida, dessa interação. A depender da forma como a família se envolve com o negócio, ela desenvolve uma identidade que molda os objetivos que serão perseguidos pela empresa e pela própria família. A grande complicação é o fato de as fronteiras entre os sistemas da família e da empresa nem sempre estarem bem definidas, faltando um limite claro entre as questões afetivas inerentes à família e os objetivos da empresa.
Uma das ferramentas para fortalecer o limite entre as questões inerentes à família e àquelas exclusivamente corporativas, é a utilização das boas práticas de governança corporativa na estrutura da empresa e ainda a criação de órgãos que permitam que a gestão da sociedade seja mais profissional. A Governança corporativa hoje tem como princípio norteadores a transparência, equidade, responsabilidade corporativa e prestação de contas, mas tendo como definição original como sendo:
o sistema que assegura aos sócios-proprietários o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva. A relação entre propriedade e gestão se dá através do conselho de administração, a auditoria independente e o conselho fiscal, instrumentos fundamentas para o exercício do controle. A boa Governança Corporativa garante equidade aos sócios, transparência e responsabilidade pelos resultados[4].
Outros dois aspectos que podem interferir na sustentabilidade das empresas familiares é o potencial conflito entre os familiares afetarem as decisões do negócio, bem como a falta de planejamento sucessório na gestão da empresa. A criação de uma estrutura de governança com a criação de um conselho familiar, um conselho de administração e a definição das Diretorias que atuem de forma independente, como definição clara das competências e alçadas, atuando com responsabilidade, poderá ser um mitigador do risco dos problemas que afetam a sustentabilidade da empresa.
O Conselho de família tem como propósito criar um fórum de debate e acesso a informações de interesse da família, criando a possibilidade que sejam enfrentados os desafios dos negócios pela família, especialmente: (i) a figura do controlador e como lidar com esse direito de forma a permitir o crescimento da empresa e dos herdeiros e outros membros da família na tomada de decisões; (ii) conflitos decisórios da condição de sócios e/ou administradores, nesse cenário, o conselho ajuda a família a lida com esse possíveis conflitos; (iii) comunicação entre os familiares, afinal, quando somente um membro da família concentra a comunicação, pode-se gerar falta de transparência e instabilidade nas relações familiares; (iv) mitigação de conflitos por ser um ambiente aberto para discussões; e (v) capacitação das novas gerações[5].
O conselho de administração que é um órgão colegiado, previsto na Lei das Sociedades por Ações, em seu artigo 138 e 140 e tem como objetivo compor a administração das Sociedades Anônimas, juntamente com a Diretoria e o Conselho Fiscal (se houver), voltado para a tomada de decisões de maior alçada, além daquelas previstas em lei (como eleição de Diretores) e mais estratégicas ou seja, menos táticas. A presença de membros da família nos conselhos de administração é bastante comum, todavia, para que as decisões estejam mais voltadas para o interesse exclusivo da empresa, sugere-se que tais conselhos tenham a presença de um conselheiro independente[6] ou externo[7].
Sob esse aspecto, nota-se que diversas empresas familiares, decidem criar um conselho de administração por causa do crescimento da empresa, de um processo de sucessão ou da entrada de sócios não familiares. Esse passo é, muitas vezes difícil pelo fato dos membros da família não terem conhecimento do funcionamento desse órgão e nem tampouco das boas práticas de governança, por conta disso, a figura do conselheiro independente, pelo papel de mediação, pode ser fundamental para equilibrar os interesses divergentes. Para tanto, é salutar que ele desenvolva uma relação de confiança e respeito com os sócios, de forma que eles possam aceitar as suas contribuições em prol do fortalecimento da governança corporativa[8].
Por fim, importante lembrar que a administração das sociedades também deve ser composta por uma Diretoria, e no caso das empresas familiares, ainda que tenha membros da família ocupando cargos executivos, recomenda-se que o Conselho de Administração e a Diretoria sejam órgãos independentes, inclusive no tocante a composição, ou seja, que não haja membros ocupando cadeiras nesses dois órgãos.
Autora: Grazziella Mosareli Kayo – Sócia do Dessimoni | Blanco Advogados.
[1] https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ms/artigos/pais-e-filhos-os-desafios-e-valores-entre-geracoes-de-empreendedores,f646cf80c782c710VgnVCM100000d701210aRCRD
[2] FILHO, Nelson Cury, Revista do IBGC, Análise e Tendências, Revista nº 5 /2018, página 19.
[3] Revista nº 5 /2018, página 13.
[4] LODI, João Bosco. Governança Corporativa: o governo da empresa e o conselho de administração. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.40.
[5] FILHO, Nelson Cury, Revista do IBGC, Análise e Tendências, Revista nº 5 /2018, páginas 21/21.
[6] São pessoas sem qualquer vínculo com a empresa atual ou no passado, portanto são pessoas que: não são sócios, funcionários, administradores, consultores ou prestadores de serviços, não ser parente até segundo grau dos sócios da empresa ou de suas coligadas, não ter sido empregado ou colaborador nos últimos três anos, não estar fornecendo produtos ou serviços para a empresa de escala relevante, não participar de entidade que receba patrocínio da empresa, se manter independente em relação ao CEO, não depender financeiramente da remuneração da Sociedade.
[7] Conselheiros que não têm vínculo direto ou trabalhista atual com a organização, mas não são independentes. Por exemplo: ex-diretores e ex-funcionários, advogados e consultores que prestam serviços à empresa, sócios ou funcionários do grupo controlador e seus parentes próximos, etc.
[8] PARENTE, Tobias Coutinho, Revista do IBGC, Análise e Tendências, Revista nº 5 /2018, página 14.