23 de junho de 2023
Justiça de São Paulo estende a imunidade do IPTU nos contratos atípicos de locação

Allexandre Assis Bighetti e Fabrício Salema Faustino

Em decisão inédita, a 15ª Vara da Fazenda Pública concedeu liminar para suspender o IPTU de imóvel “built to suit” locado a uma Instituição de Educação.

Cada vez mais recorrente nos dias atuais, o contrato “built to suit” (“BTS”) consiste num acordo firmado entre interessado e a empreendedora imobiliária para que esta execute um projeto de construção de imóvel de acordo com as suas exigências e, em contrapartida, recebe um valor mensal durante um determinado período de tempo (geralmente superior a 15 anos e com a opção de compra no seu término).

Ou seja, trata-se de uma locação de um imóvel construído de acordo com as exigências e necessidades do locatário, sendo esta a principal característica que a diferencia de uma locação típica. Tal atipicidade, inclusive, é reconhecida pelo artigo 54-A[1] da Lei n. 8.245, de 18.10.1991 (“Lei do Inquilinato”).

Foi diante desse cenário, e sobretudo considerando a atipicidade dessa relação jurídica, que uma escola localizada no Município de São Paulo ajuizou uma ação perante a Justiça Estadual com o objetivo de ver reconhecida a sua imunidade tributária em relação ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (“IPTU”) incidente sobre o referido imóvel.

Em linhas gerais, o IPTU tem fundamento no artigo 156, inciso II da Constituição Federal de 1988 (“CF/1988”) que outorgou aos Municípios a competência para instituição.

O artigo 32 do Código Tributário Nacional (“CTN”), por sua vez, estabelece a hipótese de incidência do IPTU como “propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município”.

Da leitura do dispositivo acima (e sem o devido aprofundamento acerca da recepção ou não pela CF/1988), infere-se que o sujeito passivo do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

Acerca do “possuidor a qualquer título” a jurisprudência[2] consolidou o entendimento de que somente pode ser sujeito passivo do IPTU o possuidor com “animus domini (i.e., intenção de dono).

O artigo 150, inciso VI, alínea “c” da CF/1988, por sua vez, garante a imunidade sobre o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos desde que atendidos os requisitos da lei.

Vale destacar que a Emenda Constitucional 116, de 17.02.2022 (“EC nº 116/2022”) estendeu a imunidade dos templos de qualquer culto ainda que estes sejam apenas locatários do bem imóvel, deixando de fora as demais entidades descritas no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da CF/1988.

Pois bem, a controvérsia posta pelo colégio, em resumo, consistiu em debater que no contrato de BTS a figura do locatário é absolutamente diversa daquela que se observa nas locações típicas.

De fato, nas locações típicas, a jurisprudência dominante sobre o tema (conforme descrito acima) já se inclinou sobre o entendimento de que o locatário é uma figura estranha à relação jurídica entre o sujeito ativo (Município) e o sujeito passivo (proprietário do imóvel) no que tange à exigência do IPTU.

E como a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJ/SP”) entende, o “animus domini” consiste num agir do locatário como se proprietário fosse do imóvel, podendo “somente pode figurar como contribuinte do IPTU aquele cuja posse decorre de um direito real, pois neste caso o possuidor a exercerá “ad usucapionem”, ou seja, com “animus” de dono, aparentando um comportamento típico de proprietário. (…)[3]”.

Ocorre que, a depender das particularidades do contrato, a figura do locatário detém, de modo inquestionável, o “animus domini” da propriedade, como é o caso de diversos BTS.

Nesse sentido, inclusive, o Pronunciamento Técnico do Comite de Pronunciamentos Contábeis (“CPC”) nº 06 – Arrendamentos (“CPC 06”) determina que os locatários/arrendatários registrem a operação seguindo todas as diretrizes como se ativo imobilizado fosse, o que denota o “agir como dono” de que trata a jurisprudência do TJ/SP.

Foi considerando todos esses argumentos que a 15ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo concedeu a decisão liminar para determinar que os IPTU vencidos tivessem a sua exigibilidade suspensa, ainda a propriedade do imóvel seja de pessoa jurídica de direito privado.

Trata-se de um precedente inédito na jurisprudência correlata que abre caminho para outras entidades imunes (como partidos políticos, sindicados, instituições de assistência social dentre outras) pleiteiem sua imunidade em relação ao IPTU quando figurarem como locatária em contrato atípico de locação, como é o caso do BTS.

Válida, no entanto, a ressalva acerca das particularidades de cada caso, especialmente a respeito da caracterização do “animus domini” que é a figura essencial do debate na tese.

Allexandre Assis Bighetti: Pós-graduado em Direito Tributário (lato sensu) pela Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (“FIPECAFI”). Coordenador da área de Consultoria Tributária na Dessimoni & Blanco Advogados Associados.

Fabrício Salema Faustino: Pós-graduado em Direito Tributário (lato sensu) pela FGV Direito SP. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado do Contencioso Tributário na Dessimoni & Blanco Advogados Associados


[1] Art. 54-A. da Lei do Inquilinato, in verbis: “Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.

§ 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.

§ 2º Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.

[2] RESP nº 1.882.132/RJ, AgInt no AREsp 1.516.702/BA, entre outros.

[3] Processo n. 0700168-98.2009.8.26.0695, de 26/02/2015 – 15ª Câmara de Direito Público – TJ/SP.