23 de janeiro de 2024
Princípio da intervenção mínima que deve nortear a atuação do Poder Judiciário em casos envolvendo conflito de sócios

Gustavo Ungarello – Advogado Societário

“Quanto à sociedade, decidem seus sócios.” Este tem sido o lema adotado pelo Judiciário em julgamento de casos envolvendo conflitos societários. Na mais recente decisão proferida pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[1], prevaleceu o entendimento de que o Poder Judiciário pode intervir nas sociedades apenas em situações excepcionais, quando comprovada prática inequívoca de atos de má gestão na administração da sociedade.

Tal entendimento não é novo. Em julgamento de 16 de setembro de 2008[2], a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou medida cautelar com pedido de afastamento de sócio majoritário da administração da sociedade. Em seu voto, a relatora, Ministra Nancy Andrighi, afirmou que a atuação do Poder Judiciário em casos que versem sobre a administração da sociedade deve ser pautada pela intervenção mínima; afinal, o destino das empresas e seus investimentos pertencem aos sócios, e, portanto, a forma de sua administração deve ser decidida também por eles, seja em uma sociedade não personificada, seja em uma sociedade por ações.

Mesmo que haja a previsão legal para intervenção na administração da sociedade, como é o caso do Art. 1.019 do Código Civil[3], o Poder Judiciário encontra limites para aplicação de tal dispositivo, pois está somente autorizado a afastar o administrador da sociedade, sem poder nomear outro em seu lugar, tendo em vista que a nomeação de administrador compete exclusivamente aos sócios, detentores do capital social da empresa. Com esta visão consolidada perante o Judiciário, a Lei nº 13.874/19, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, em ser Art. 2º, III, trouxe para o sistema legislativo a previsão de que o Estado somente intervirá sobre o exercício das atividades econômicas de maneira subsidiária e excepcional, como ocorrem nos casos extremos em que a sociedade não consegue mais cumprir seu papel social, como na recuperação judicial ou na falência, e necessita de intervenção para que possa continuar a desempenhar sua função social de geração de riqueza e circulação de bens e mercadorias.

Diante do exposto, entendemos que caso algum sócio esteja descontente com os administradores da sociedade, o melhor não é requerer judicialmente a destituição de administrador, mas sim perseguir, extrajudicialmente ou judicialmente, a prestação de contas desse, para caso seja identificado algum ilícito, busque-se a reparação. Afinal, as discussões judiciais acerca administração de sociedades limitadas caminham, via de regra, não para a intervenção judicial na empresa, que só ocorrerá em hipóteses excepcionais, mas para a responsabilização do administrador improbo, para a anulação de negócios específicos que prejudiquem a sociedade ou, em última análise, para a retirada do sócio dissidente ou dissolução parcial da empresa.

A equipe societária de Dessimoni e Blanco Advogados está à disposição para quaisquer esclarecimentos.


[1] TJSP;  Apelação Cível 1009427-39.2016.8.26.0100; Relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Regional II – Santo Amaro – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/10/2023; Data de Registro: 10/11/2023[2] STJ; MC 14561 / BA; 3ª Turma, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI; j. 16/09/2008; DJe 08/10/2008

[3] Art. 1.019. São irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios.