8 de janeiro de 2020
Projeto de Lei Nº 5.484/2019 Não Reflete na Atividade da ABAD

Protocolado pelo Deputado Sr. Eduardo da Fonte, o Projeto de Lei nº 5.484/2019 visa alterar o Art. 53 do Código Civil que dispõe sobre as associações.


Atualmente, referido dispositivo legal dispõe:

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

O Projeto de Lei nº 5.484/2019 pretende alterar o parágrafo único, acrescentando que não há, entre os associados, relação de consumo, passando a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 53…………………………………………………………………………………… Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos, nem relações de consumo”

A proposta visa, fundamentalmente, erradicar conflitos judiciais observados nos Tribunais de Justiça do país, no que diz respeito à interpretação das relações jurídicas materiais envolvendo pessoas organizadas em associações sem fins econômicos, tanto no âmbito interno (entre associados) quanto no externo (entre associados e não associados).

Na relação jurídica entre a ABAD e seus associados não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a associação não é fornecedora de bens ou serviços, mas sim associação criada para fim específico, sem fins lucrativos.

No entanto, é oportuno ressaltar que o principal motivo para se alterar o Código Civil, a fim de esclarecer se a relação é ou não consumerista, se deve em razão das associações que prestam serviços como se fornecedoras fossem.

É o caso das associações que possuem o objetivo de promover a proteção dos veículos uns dos outros, efetivando-se o rateio dos prejuízos decorrentes dos sinistros entre os próprios associados. Tratam-se de associações que atuam como seguradoras, mas travestidas de entidade sem fins lucrativos.

São situações como esta que os Tribunais têm decidido que são associações que devem responder perante seus “associados”, pois são, em verdade, seus consumidores.

A Desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, ao julgar a Apelação Cível nº 1001770-47.2016.8.26.0229[1], firmou seu entendimento no sentido que: “embora a associação não tenha fins lucrativos, a circunstância de prestar serviços em favor dos seus associados evidencia relação de consumo a ser tutelada. E por se enquadrar no conceito de fornecedor (art. 3º do CDC), resta evidente a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, mesmo porque o que caracteriza a relação de consumo não é a obtenção ou não de lucros, mas sim a prestação de serviços ao consumidor”.

A mesma lógica foi interpretada pelo Desembargador José Augusto Genofre Martins, ao julgar a Apelação Cível nº 1034341-28.2016.8.26.0114[2]:

(…)  incumbe registrar que a natureza jurídica da ré (associação sem fins lucrativos) não afasta a aplicação da legislação consumerista, já que ao se analisar objeto social desenvolvido pela pessoa jurídica, verifica-se que o ato associativo é imposto como mero obstáculo buscando descaracterizar a relação de consumo, mas a atividade desempenhada é equivalente à prestada pelas seguradoras – Assim, embora a apelante não seja seguradora, dado o amplo oferecimento do serviço no mercado, plenamente viável a aplicação das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor – Como consequência, a disposição contratual que constrange o direito de recebimento de indenização à entrega de documento (CRV) afigura-se nula, já que impõe ao consumidor obrigação excessivamente onerosa – Art. 51, IV, do CDC – Litigância de má-fé afastada, mantida no mais a sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos – Recurso parcialmente provido.  

Mesmo em outro segmento, é possível verificar relações que se assemelham às consumeristas. É o caso do Parque Aquático Thermas dos Laranjais, na cidade de Olímpia/SP.

Em um caso de acidente ocorrido no Parque, onde a vítima ajuizou ação de indenização, o Tribunal de Justiça de São Paulo firmou o seguinte entendimento:

Ainda que o agravante argumente que é sociedade civil sem fins lucrativos, o fato é que, ao cobrar ingresso de frequentadores não associados (cf. se vê de fls. 83), passa a oferecer um serviço relacionado a turismo e lazer, enquadrando-se o agravante na definição de “fornecedor” a que alude o artigo 3º do Código de Processo Civil. Não faz a lei distinção quanto à natureza jurídica da prestadora dos serviços, sendo irrelevante o agravante alegar que se trata de associação civil de recreação, sem fins lucrativos.

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2219477-69.2015.8.26.0000; Relator (a): Mourão Neto; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro de Marília – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/12/2015; Data de Registro: 18/12/2015)

Por isso a importância de se esclarecer que o objetivo do Projeto de Lei nº 5.484/2019, é garantir a estabilidade jurídica das instituições e dos seus respectivos grupos, afastando, por consequência, eventuais abusos ou equívocos de interpretação da Lei.


[1] TJSP;  Apelação Cível 1001770-47.2016.8.26.0229; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Hortolândia – 2ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 08/08/2018; Data de Registro: 15/08/2018

[2] TJSP;  Apelação Cível 1034341-28.2016.8.26.0114; Relator (a): José Augusto Genofre Martins; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/04/2019; Data de Registro: 10/04/2019