1 de novembro de 2022
REGULAMENTAÇÃO DO TRUST NO BRASIL

Em 31/08/2022, foi aprovado na comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmera dos Deputados o Projeto de Lei 4.758/2020 que propõe a introdução no sistema jurídico brasileiro do contrato de fidúcia, que nada mais é do que um regime de administração de bens de terceiros. Inspirado no Trust do direito inglês e americano, pode trazer ao Brasil uma ferramenta de investimento muito utilizado mundo afora.

A operação a ser regida pelo contrato de fidúcia consiste na entrega de um bem ou um valor (a propriedade fiduciária) a uma pessoa ou empresa (o fiduciário) para que seja administrado – em troca de remuneração – em favor do depositante (o fiduciante) ou de outra pessoa por ele indicada (o beneficiário).

No exterior, o Trust, no qual o contrato de fidúcia é inspirado, é bastante flexível e pode ser customizado de acordo com o objetivo de cada instituidor e são utilizadas por diferentes razões, entre elas: a necessidade de um planejamento sucessório mais robusto, que viabilize a transmissão gradativa do patrimônio aos beneficiários; dar mais flexibilidade ao planejamento; proteger os beneficiários e a família de situações de incapacidade do instituidor/settlor, dentre outros.

O principal ponto do projeto brasileiro é estabelecer a separação entre os patrimônios do fiduciante e do fiduciário, que não pode utilizá-lo em proveito próprio. Tal separação gera uma proteção do patrimônio, similar ao patrimônio de afetação, atualmente restrito a negócios específicos como incorporação imobiliária e operações de crédito do agronegócio, e evita que problemas judiciais enfrentados pelo fiduciário (como penhora, recuperação de empresas e falência) atinjam os bens do fiduciante.

O contrato deverá conter os direitos e deveres das partes e dos beneficiários, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas. Também deverá indicar quais os bens objeto da fidúcia, o objetivo do regime, a extensão dos poderes do fiduciário e as formas de prestação de contas.

A propriedade e a titularidade fiduciária serão formalizadas em cartório (de imóveis ou de títulos, conforme o tipo de bem).

O fiduciário poderá ser qualquer pessoa física ou jurídica, a menos que a atividade envolva captação de recursos do público, quando a atividade será privativa das instituições financeiras. Além disso, ele responderá pelos prejuízos que causar por negligência ou administração temerária.

O projeto ainda traz a figura do Protetor ao Conselho de Protetores, que poderá ter dupla função, consultiva e fiscalizatória. Sua principal função é assegurar o cumprimento, pelo fiduciário, de suas obrigações de administração e cumprimento das orientações de distribuição de ativos, conforme disposto no ato constitutivo da fidúcia;

Extinta a fidúcia (seja por acordo entre as partes, decurso do prazo ou por decisão do Protetor ou Conselho de Protetores), os bens e direitos revertem de pleno direito ao patrimônio do fiduciante ou seus sucessores, salvo se o ato de constituição houver disposto, para a hipótese, a consolidação da propriedade no patrimônio do beneficiário ou de terceiro.

Na justificação do Projeto de Lei, cita-se que no direito brasileiro há precedentes legislativos que regulamentam a afetação e a propriedade fiduciária, mas que restringem-se a situações específicas, como são os casos da incorporação imobiliária, da parceria público-privada, da garantia fiduciária na comercialização de bens, da securitização de créditos, das operações de crédito do agronegócio, além de outras atividades.

Seus efeitos práticos têm sido demonstrados por decisões judiciais que excluem do plano de recuperação judicial de empresa incorporadora os bens integrantes de empreendimentos blindados em patrimônios de afetação, preservando, assim, os direitos dos adquirentes de imóveis em construção, que estão na posição de consumidores, portanto, de hipossuficientes.

Ocorre que outras situações assemelhadas comportam e justificam a constituição de uma estrutura patrimonial própria para o negócio, como forma de segregar riscos mediante blindagem do acervo formado com os recursos captados, de forma a compensar a vulnerabilidade das pessoas que confiam a administração de seus ativos a terceiros. É nesse contexto que a afetação, mediante operação de fidúcia, aparece como mecanismo de proteção patrimonial e reclama a instituição de um regime geral da fidúcia, que concentre num único texto legal a sistematização da matéria, preenchendo lacunas existentes na legislação dispersa, errática e incompleta do nosso direito positivo, sem, contudo, interferir nas normas especiais que regulamentem situações peculiares.

Destaca-se que o projeto em análise não prevê como será o tratamento tributário dos recursos envolvendo o Trust, razão pela qual ainda não se sabe até que ponto sua adoção será de fato vantajosa às partes. Independente disso, trata-se de um movimento importante na inovação do nosso ordenamento jurídico brasileiro.

Talita Evangelista Silvestre