29 de fevereiro de 2024
Restrição à Compensação de Créditos Adquiridos de Terceiros com Débitos Tributários Federais

A CF/88 permite a utilização de precatórios para compensação tributária, facultando ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, o uso de créditos líquidos e certos para quitar débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa desse ente.

Portanto, para utilizar precatórios na compensação, o contribuinte deve observar a legislação do ente federativo correspondente, a qual define as regras para essa compensação.

Nesse sentido, no âmbito dos tributos federais sob a administração da Receita Federal do Brasil (“RFB”), a compensação entre débitos tributários do contribuinte e créditos tributários adquiridos de terceiros é vedada, conforme estabelecido pelo artigo 74, § 12°, II, (a) da Lei n° 9.430/96.

A origem da restrição à compensação exclusiva com débitos próprios decorre da modificação introduzida pela Lei nº 10.637, de 2002, que alterou o artigo 74 da Lei 9.430/96, o qual passou a dispor que:

“O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.”.

Em consonância, a Instrução Normativa RFB 2.055/21 (antiga Instrução Normativa RFB 1.717/17), estabelece em seu artigo 64 e artigo 75, inciso I, que a compensação de créditos provenientes de decisões transitadas em julgado está restrita aos “débitos próprios” da pessoa jurídica, sendo proibida e considerada “não declarada” a compensação do crédito de terceiros.

A própria Instrução Normativa RFB 2.055/21 traz a definição de quais débitos são considerados próprios para fins de compensação no âmbito federal, de acordo com o §3° do artigo 64:

“Consideram-se débitos próprios, para fins do disposto no caput, os débitos por obrigação própria e os decorrentes de responsabilidade tributária apurados por todos os estabelecimentos da pessoa jurídica.”.

Em resumo, o artigo 74 da Lei 9.430/96 estabelece que somente o titular do crédito tributário resultante de decisão judicial pode compensá-lo com débitos originados por ele mesmo, ou seja, a compensação é permitida apenas entre créditos e débitos próprios, com a mesma titularidade.

O crédito próprio é aquele indevidamente pago pelo sujeito passivo da obrigação tributária original, enquanto o crédito cedido permanece originário do cedente. A cessão desse crédito não transfere a titularidade, apenas o direito de recebê-lo do Estado.

De acordo com o artigo 123 do CTN, as convenções privadas sobre a responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser utilizadas contra a Fazenda Pública para alterar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes. Portanto, o contrato de cessão não tem o poder de modificar o sujeito passivo da obrigação original que é o único legitimado a requerer a repetição de indébito conforme dispõe o artigo 165 do CTN.

Nesta feita, um terceiro, ao adquirir o crédito, não pode considera-lo como próprio, uma vez que não foi responsável pela obrigação vinculada ao crédito e, portanto, não pode ser considerado o sujeito passivo dessa obrigação, mas apenas detentor do direito de receber os valores mediante convenção particular com o titular do crédito.

Ao analisar a jurisprudência sobre o tema, nota-se que alguns contribuintes buscaram respaldo judicial para viabilizar a compensação de créditos de terceiros quando a vedação foi introduzida. Aqueles que obtiveram decisões judiciais favoráveis nesse sentido conseguiram obter sucesso no âmbito administrativo ao pleitear a homologação dessas compensações.

No entanto, embora alguns contribuintes tenham conseguido obter medida judicial favorável para viabilizar a compensação com créditos de terceiro, o cenário jurisprudencial mudou com o tempo. Atualmente, os tribunais têm rejeitado a possibilidade de compensação utilizando créditos adquiridos de terceiros, como se verifica nos processos: 0144477-02.2014.4.02.5120, do Tribunal Regional Federal (“TRF“) da segunda região (“TRF2”) e 5024911-68.2020.4.03.0000, do TRF da terceira região (“TRF3”).

O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) também se manifestou nesse sentido no processo AgInt nos EDcl no Recurso Especial Nº 1630774, confirmando a impossibilidade da mencionada compensação.

Portanto, no contexto federal atual, a compensação de débitos tributários com créditos de terceiros não é permitida, restringindo-se a possibilidade de compensação exclusivamente aos débitos próprios.

Em 2020, foi apresentado o Projeto de Lei nº 2.209, que visa alterar o artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 para permitir a compensação utilizando créditos adquiridos de terceiros. Esse projeto ainda está em tramitação e somente terá efeito se for convertido em lei.

Embora seja clara a proibição da compensação de débitos federais com créditos adquiridos de terceiros, algumas organizações criminosas oferecem de forma fraudulenta a venda de créditos, alegando a possibilidade de sua utilização para compensação via Declaração de Compensação (“DCOMP”).

Em grande parte das vezes, os créditos sequer existem e/ou estão vinculados a processos físicos antigos, de difícil acesso para verificação da origem/legalidade do precatório.

Vale repisar que a compra e venda de precatórios é prática comum expressamente autorizada, devendo o adquirente aguardar o prazo para recebimento dos valores pelo ente público. O impeditivo ocorre apenas para utilização deste precatório na compensação dos tributos federais via DCOMP.

Além do prejuízo financeiro decorrente da aquisição de um crédito que não poderá ser utilizado, há implicações fiscais significativas relacionadas ao não reconhecimento da compensação.

De acordo com o artigo 75, inciso I da Instrução Normativa da RFB n° 2055/2021, a DCOMP com créditos de terceiros será considerada “não declarada”. Isso pode resultar na aplicação de multa isolada pelo lançamento de ofício, variando de 75% a 150%, em caso de comprovação de falsidade na declaração apresentada pelo sujeito passivo, além do pagamento do próprio tributo e dos juros incidentes.

Destaca-se, tais organizações frequentemente distorcem a interpretação das decisões administrativas do CARF, alegando ser viável a compensação utilizando os créditos adquiridos de terceiros, argumentando que o órgão permitiu tal prática em certas ocasiões. Todavia, conforme anteriormente mencionado, tais decisões foram favoráveis à compensação apenas quando: (i) há decisão judicial expressa reconhecendo o direito à compensação; ou (ii) a compensação ocorreu antes da proibição imposta pela Lei nº 10.637, de 2002.

Além disso, outra argumentação utilizada por essas organizações criminosas é a Portaria da Receita Federal do Brasil (“RFB”) nº 247, publicada em 2020, que estabelece a possibilidade de utilizar créditos adquiridos de terceiros para amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado.

Entretando, essa disposição autoriza especificamente a utilização dos créditos de terceiros em casos de transação, nos termos da Lei 13.988, de 2020, não sendo aplicável para viabilizar a DCOMP.

Inclusive, a própria RFB emitiu comunicado, disponível no portal gov.br8, alertando sobre práticas fraudulentas que oferecem a possibilidade de compensação por meio da compra de créditos de terceiros, enfatizando a ilegalidade dessa prática.

Portanto, é fundamental que as empresas estejam cientes das limitações legais para evitar cair em golpes que podem resultar em prejuízos financeiros, além de implicações fiscais, uma vez que a não declaração correta da compensação com créditos de terceiros pode levar à aplicação de penalidades pela RFB.

Allexandre Assis Bighetti. Mestrando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Pós graduado em Direito Tributário (lato sensu) pela Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI). Coordenador da área de Consultoria Tributária na Dessimoni & Blanco Advogados Associados.

Bruna Venâncio Dutra da Costa. Pós-graduanda em Tributação e Negócios (lato sensu) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada da área de Consultoria Tributária na Dessimoni & Blanco Advogados Associados.