Por Rafael Ujvari
A tese tributária conhecida no meio jurídico como “tese do século”, de exclusão do ICMS da base de cálculo dos tributos denominados PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), certamente, é um dos temas – senão o tema – que mais ocupa destaque no âmbito do Direito Tributário aplicado à gerenciamento de recuperação de tributos e economia empresarial.
O nome “tese do século” realmente faz jus à essa tese, não apenas em relação a uma grande oportunidade de faturamento para diversos advogados, como também uma grande oportunidade de recuperação de crédito tributário pelos contribuintes de PIS e COFINS que também recolhem ICMS: de acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), trata-se de tese que gera um potencial de R$ 358 bilhões em termos de recuperação de crédito tributário para as empresas que exercem atividade no Brasil. Isso é o equivalente e 4% do PIB do Brasil em 2021, quase 3 vezes o gasto público em educação no Brasil em 2021 e quase 3 vezes o gasto público em saúde no Brasil em 2021.
Referida tese do século, foi acolhida pelo STF – Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento com repercussão geral do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR em 15 de março de 2017. O STF, felizmente para o contribuinte e para os estudiosos incansáveis do Direito Tributário, entendeu que “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”.
Na prática, todos os contribuintes que ingressaram até 15 de março de 2017 (data de julgamento do RE) com pedido judicial de ressarcimento de PIS ou COFINS incidentes sobre ICMS dos últimos 60 meses antes da propositura de sua ação, ou com pedido preventivo de não recolhimento desses tributos incidentes sobre ICMS, estariam amparados com a tese em questão. Por outro lado, os contribuintes que se quedaram inertes até 15 de março de 2017 poderiam recuperar o tributo recolhido indevidamente por meio de retificação de escrituração contábil e apresentação de Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP), sendo desnecessário ingresso com processo judicial ou administrativo.
A Controvérsia sobre a possibilidade de Ação Rescisória Contra o Acórdão que decidiu o RE Nº 574.706/PR:
Nos últimos meses, como se sabe, ganhou a mídia a notícia de manejo de ação rescisória do fisco em relação ao precedente constante do Recurso Extraordinário Nº 574.706/PR, do STF.
Trata-se, em verdade, de uma pretensão jurídica impossível e uma afronta ao princípio da segurança jurídica.
Por conta da modulação de efeitos da decisão, o Fisco aventou a possibilidade de ajuizamento de ações rescisórias, em relação a decisões já transitadas em julgado em ações judiciais manejadas após a data-base fixada em sede de julgamento dos embargos, ou seja, a data de 15/03/2017, contendo o reconhecimento ao direito à repetição de indébito no que tange aos cinco anos passados.
São ações rescisórias com o intuito de limitar a repetição de indébito não aos cinco anos anteriores ao ajuizamento, mas sim à data-base da modulação em sede de embargos.
Com efeito, o CPC, em seu artigo 535, estatui que não são exigíveis as decisões proferidas pelo poder judiciário que sejam fundadas em interpretação ou legislação que seja dada como inconstitucional pelo STF, além de prever a possibilidade de manejo de ação rescisória contra decisões que já tenham transitado em julgado contrariamente ao quanto decidiu o STF.
Na hipótese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, as decisões que que seriam questionadas pelo fisco, via PGFN, estão em consonância com a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, de tal sorte que a PGFN não pode requer a rescisão justamente de uma decisão em linha com o entendimento do STF.
Ademais, é sabido que a técnica da modulação dos efeitos da decisão é uma técnica prevista em prol da segurança jurídica, ou seja, garantindo uma maior proteção à coisa julgada, mesmo que em contrariedade a entendimentos anteriores em sentido contrário firmados pelo STF.
Dessa feita, a modulação tem por objetivo impedir a ação rescisória, que seria cabível a princípio, de forma a manter a segurança jurídica sobre os casos já transitados. Nesse sentido, a modulação prevista no CPC tem como objetivo obstar as rescisórias, e não as viabilizar. Seria um contrassenso permitir uma ação rescisória para favorecer a segurança jurídica.
Os argumentos acima são mais do que acertados em consonância com uma interpretação que garante a máxima efetividade da constituição e dá guarida aos fundamentos, objetivos e princípios da República Federativa do Brasil previstos nos arts. 1 a 4 da Constituição Federal.
Mas vamos além. Há ainda mais um motivo adicional para defender a impossibilidade de manejo de referidas ações rescisórias: o princípio da teoria dos atos próprios da administração pública, que vem sendo amplamente aplicada pelo STF. O Fisco, ao querer manejar tais ações rescisórias, e como vem efetivamente manejando, afronta totalmente contra importante princípio reconhecido reiteradamente pelo STF e STJ, inclusive na seara tributária.
Em síntese: em vista de toda a exposição acima, corroborada por uma vastíssima base jurisprudencial consolidada perante o STF e STJ e, ainda, sob a égide dos princípios constitucionais previstos nos art. 1º, III e IV; art. 5º, caput e inciso XXXVI; art. 37, caput, todos da CF, e também com base nos princípios constitucionais implícitos da confiança, razoabilidade e proporcionalidade, resta claro que o manejo de referidas ações rescisórias não apenas é inconstitucional, como também ilegal.